SÚPLICA

De repente, vejo tudo se passando na minha frente, como se fosse um filme. Todos os detalhes de uma vida, passando em poucos minutos pela minha mente, a história de um homem chamado Fernando, uma história de alguém que procura repassar tudo que aconteceu na vida de um ser humano... a minha história.  Escrevi este livro porque quero que vocês entendam e conheçam um pouco de mim. Não sei o que poderão pensar, mas só procurarei mostrar quem sou realmente... Uma pessoa com erros e acertos nessa vida atribulada. Um pouco diferente do que eu era antes, vendo a vida com mais clareza, porque quando acontece uma coisa tão inimaginável, que se torna real, você passa a ver todo o universo com mais valor. O convívio com as pessoas, as palavras de apoio, e o toque que lhe chega são essenciais para que não fiquemos na solidão. Este mundo, este planeta, que faz suas rotações rotineiras, em que, ás vezes, a gente deseja que desabe  tudo de uma vez. Essas pessoas que vão e vêm sem pressa de chegar a lugar algum. Essas paisagens que embelezam e distraem nossas mentes. Esses momentos que achamos, ás vezes, tão sem sentido, e deixamos escapar de nossos olhos, são tão importantes como a própria vida. O simples gesto de poder ver tudo o que se passa além da retina dos nossos olhos é essencial para que o coração bata mais forte. O mundo é tão importante, os lugares, e ver apenas o que quisermos ver, e fechar os olhos para aquilo que ousa perturbá-los. Isso é tão importante, mas o ser humano quase não para a fim de refletir. E você já refletiu sobre o simples fato de viver... Você já parou pra pensar na importância do que é a vida... Nas milhares de coisas que você toca e aprecia... Você já pensou, de repente, que o mundo inteiro anoitece, e você não pode ver mais as pessoas nas quais está toda a sua vida... Você não pode ver a noite em que a luz está linda, o dia em que a manhã parece ser feita para você. Feche os olhos por apenas 10 minutos, tente ver as coisas que estão ao seu redor. Será que têm a mesma cor, a mesma anatomia de quando estavam abertos... Não, claro que não, tudo ficou mais escuro, e você não teve paciência e abriu-os até mesmo antes dos 5 minutos. Imagine de repente tudo de belo e maravilhoso tornar-se uma nuvem escura em que você não tem certeza de quantos minutos, horas, dias ou talvez até anos você poderá abrir os olhos e ver realmente tudo  que se tinha visto há muito tempo atrás.É por esta razão que estou escrevendo este livro.Quero mostrar o valor que tem os mínimos gestos, os mínimos detalhes. Quero que vocês despertem para esse mundo conturbado em que vivemos e tentem vê-lo apenas com os olhos, vivam sorrindo, aperte a mão do seu companheiro, sintam e vejam o olhar meigo do seu irmão, vejam a natureza e se orgulhem dela, dependam de uma palavra de afeto. E mesmo que tudo isso ocorra em passos lentos, vocês chegarão lá. Todos os dias, quase sempre depois das 23 horas, em que tomo meus rotineiros medicamentos, deito na minha rede e, no seu embalo, ela leva-me a tempos distantes, e eu posso sonhar tudo o que o tempo me fez passar, e vivo esses sonhos como se fossem agora aqueles velhos e gostos tempos; as muitas aventuras me levam a outro mundo, um mundo em que tudo se torna real. E tudo isso que estou vivendo, esse pesadelo todo que me possui desaparece dos meus sentidos, porque o meu espírito se desprende totalmente do meu corpo, minha células se recompõe e surge um homem forte que sorri para a vida, o grande e velho Fernando de outrora, quele Fernando que para muitos foi um grande vencedor e continua a ser, aquele que fez sorrir muita gente, porque a vida é um desafio que, com fé e passos lentos, se pode chegar a vitória. É preciso evadir-se de tudo, para esquecer essa nuvem escura que se torna realidade, mas o encontro do irreal com o real não é tão triste assim, pois é com a realidade que não posso ver o céu, mas, em mim, uma estrela brilha intensamente, que preenche todo o vazio de minha alma. Acredito que só Deus pode explicar essa luz forte e cristalina que leva à continuação de minha existência. Isso que me envolve, que me faz sentir amado, é a minha pequenina estrela. Isso tudo que sinto, não há palavras que possam explicar, porque o amor não se explica, se sente, se dá. Quando estou sonhando com minha pequenina estrela, sinto que meu desejo chega até ela, e, nesse espaço de tempo, construímos um espaço só nosso, onde posso tocá-la , e sentir um raio de amor refletindo nos olhos dela. Brincamos horas e horas, sorrindo abraçados, corremos, sem saber, para um mundo onde tudo é belo. Dois seres diferentes, de duas vidas diferentes, torna-se um só. E foi preciso um grande amor, um grande companheirismo, uma busca da perfeição, uma estrela bem maior, uma estrela muito forte, criativa, dinâmica, humana, poderosa, uma fada que no seu ventre recebeu uma estrela pequenina, ser do meu ser, e a transformou em nosso mundo. E essa mulher que fez de mim um verdadeiro homem, significa tudo de mais importante, ela é toda a minha existência, é o significado da palavra vida. É nesse mundo em que vivo, pois minhas estrelas estão sempre fazendo brilhar o meu céu, não as posso ver, mas posso senti-las, pois: ''Só se ver bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.'' São elas que dão sentido aos meus sonhos tornando-os um verdadeiro arco íris de amor, ela são balsamo para o meu espírito. Só com o brilho dessas estrelas posso sentir que Deus existe, pois a calma, a magia, a felicidade de tê-las comigo me fazem sonhar  e crer no amor pelo qual existimos. E nesse momento de de utopia, eu posso fazer tudo o que meu coração deseja, sem repressões, sem censuras, sem medo de acordar pra a realidade. Nesse momento, estou sonhando, estou no carro, o som bem alto, do jeito que sempre gostei. Agora não há velocidades máximas... Não me incomoda o que os ponteiros marcam... Vou fugindo de tudo para ir ao encontro do que ficou para trás. Encontro-me em uma grande quadra, jogando... É uma sensação de liberdade em que todos os meus músculos se descontraem. Lembro-me de todos os esportes que já pratiquei, da batucada com os amigos, da cervejinha sutil que não me permite entrar em depressão. E é bom porque sei que ficar deprimido não resolve, e também não é bom para mim, nem pra Jô, nem para a minha filha Fernanda. Esses são momentos que fazem lembrar que Deus existe. O Senhor ressuscitou. Eu estava morto, mas graças a Ele eu nasci outra vez. A minha fé é como uma rocha e por esta razão, pelo amor do Senhor por mim, é que pude renascer. E da forma que me encontro, livre, luz aos que se cansaram da vida, aos que não valorizam o dom plano, que é viver. Todos os dias há um momento em que me encontro com O Senhor, um momento em que não há barreiras entre nós. Ele me entende, me conforta, me da forças e paz, só Ele me entende, me conforta, e me dá forças e paz, só Ele conhece bem o meu coração. Ele sempre esteve comigo em todos os pequenos e grandes momentos e nunca me abandonou. Antes eu não tinha tempo para Ele, e agora o meu tempo está nas mãos do Senhor, meus pensamentos vão ao encontro Dele. A paz Dele é a minha força. A presença Dele é constante em mim. Tê-Lo em cada sol que desponta do horizonte, a cada lua que ilumina o céu, é o maior elo de segurança que se pode desejar. Eu encaro tudo o que me aconteceu como um milagre; o milagre de estar vivo, de perceber que o sentido da minha vida ainda continua, de saber que enquanto agoniava inconsciente, lá fora uma mulher que é a própria força fazia-me renascer, trazendo ao mundo uma parte de mim. E quando acordei daquele sonho que não queria acabar, pude perceber que Deus estava comigo. Quando me vi morto, a mão Dele passou sobre mim e levantou-me, mostrando-me que vale a pena viver. E lembrei do sol, das rosas, da ternura, dos pássaros... E nisso tudo eu pude ver que Ele jamais me abandonaria. Mergulho outra vez em meu sonho e me vejo lutando desesperadamente pela vida, quando médicos, enfermeiros e  cheiro de aparelhos e hospital se tornam aterrorizantes, mas lá fora a vida intensa e bela me esperava. Não, eu não podia partir, tinha a minha mulher, o nosso lar, a nossa filha tão sonhada que estava a caminho, os esportes que eu tanto amava, os amigos... a vida inteira presa a alguns aparelhos, dependendo de algumas poucas pessoas. Só quem viveu uma experiência semelhante sabe o quanto é difícil essa batalha cruel entre a vida e a morte , esse embate solitário que travamos contra forças tão poderosas, que vamos até o limite de tudo:  limite de nossas forças, da nossa fé, do nosso amor pela vida, de nossa coragem, de nossa energia, o limite entre dois mundos onde tantas belezas existem, onde tantas coisas boas e más acontecem a cada instante, esse mundo feito de alegrias e tristezas, de trabalho duro pela sobrevivência, de decepções, de luta, de derrotas, de vitórias, de tantas coisas unidas, de tantas conquistas, de amores tão fortes quanto o nosso amor! o amor! ah! Lembrar do amor e não pensar em Jô é impossível. A minha Jô como seria possível partir agora. Deixar Jô e os meus sonhos que tínhamos juntos... É doloroso pensar nessa separação. Não, meu Deus, nesse momento, não! Estamos unidos por um amor tão grande, por sentimentos tão fortes, que partir agora seria como despedaçar duas vidas no lugar de uma. E o nosso filho em seu ventre... Como seria esse filho... De que cor seriam seus olhos, sua pele, que formato teria seu rostinho... Como partir agora, meu Deus, e não realizar o sonho de tê-lo em meus braços, ouvi-lo chamar ''papai'', e não aprender com ele as coisas que só as crianças sabem ensinar... Não, Senhor, por favor, não! Deixe-me ficar mais algum tempo... Dá-me tempo para ser feliz, para amar minha família, para ficar um pouco mais... São tantas coisas, rever velhos amigos, falar de amor mais uma vez.... Naquele leito de hospital, enquanto pessoas iam e vinham apressadas, e solicitas mil pensamentos povoaram minha mente. Uma luz se ascenderia e a me parecia um grande sol a iluminar o meu caminho... Seria a volta definitiva á vida, ao mundo ao qual eu estava preso por amor à vida , às pessoas, à mim mesmo ... Ou seria a luz que eu levaria a meu outro mundo, possivelmente mais belo e ou mais feliz, porém para o qual eu não queria ir, pelo menos naquela hora?. Tudo isso me atormentava, dias e noites seguintes, na imobilidade de um leito, as dores físicas, as dores da alma... Naqueles dias, definiu-se o que seria a minha vida dali por diante. Aquelas pessoas tudo fizeram para manter-me vivo, e a minha fé e vontade de viver, o amor inabalável de Jô, essa mulher - guerreira - através da qual hoje eu vivo, que, com seu amor, coragem e desvelo, devolve-me a vida dia após dia. As correntes de amor formadas por meus amigos, por minha família, por tantos corações que me querem bem. Todos eles trouxeram-me de volta. Mas, naqueles dias, quando me foi concedida a graça de continuar vivendo, aprendi  a percorrer longos caminhos, sem poder ver com os olhos do corpo, e que agora vejo com os olhos do coração. Sem poder falar com clareza, comunico-me com os sentimentos. Quanta mudança em minha vida! Atleta, jovem, brilhante capaz. Já não sou mais atleta, nem mais tão jovem, nem mais escolho para mim um caminho difícil: mais uma batalha a ser enfrentada. Hoje, após tantos anos, já ''adaptado'' dentro do possível à minha nova condição de vida, penso no quanto vale a pena estar vivo, mesmo preso a uma cadeira de rodas, sem poder ver com os meus proprio olhos da carne, sem poder exprimir com clareza o que penso, como vale a pena viver! Na minha incapacidade de tão brilhante, nem tão capaz, porém imensamente feliz, porque são vários os caminhos para a felicidade. E eu encontrei o meu caminho. Obrigado, meu DEUS!''

Fernando Freire.