terça-feira, 31 de janeiro de 2017

OITO LONGOS MESES EM COMA

  • De repente, acordei para a vida sem saber  o que havia acontecido. Naquele instante, talvez pela falta de lucidez, acreditei que minha mãe e a Jô eram as responsáveis pelo que aconteceram comigo. O que levava a culpar e ter raiva das pessoas que eu mais amava Agora, depois que meu cérebro voltou ao normal, me pergunto, sem encontrar resposta: porque o filho só machuca pessoas amadas, O amor de verdade só encontrei em meu irmão, Jesus, e em minha família, pois, apesar de todas as dificuldades e angústias por que passei, esse amor jamais se acabou, continuando firme e forte até hoje. Minha mãe e Jô me perdoem pelas palavras que proferi em momento de rara infelicidade. Até hoje carrego um grande pecado que foi dizer à minha mãe que ela voltasse para o Rio de Janeiro de jumento. Que maldade, Senhor, naquele momento, eu não tinha consciência de que falava, não sabia mesmo o que estava dizendo. No dia 16 de Outubro 1982, o horrível acidente que sofri vai completar 35 anos. Naquela data, em 1982, minha vida sofreu um grande abalo e uma mudança radical. Felizmente sou um guerreiro que foi à luta e quem vem vencendo o inimigo. Nesses 35 anos, eu e Jô, essa grande mulher que está sempre ao meu lado, qualquer que seja a circunstância, fomos a luta, desigual é certo, vencendo-a em longas etapas. Lembro-me perfeitamente dos primeiros momentos, quando ainda semicoma, sem falar, me alimentava por sonda, que entrava pelo nariz indo até o estômago. Mas para que teve um caso como o meu, e tinha uma forte vontade de vencer, não podia reclamar da situação, pois o grande desejo, naqueles instantes, era voltar para o meu lar, submetendo-me, portanto, a qualquer procedimento médico que fosse determinado. Jô sempre se manteve atenta a minha situação. Diariamente me levava para tomar banho de sol, mesmo que eu ainda estivesse inconsciente, amarrando-me na cadeira de rodas, para evitar que eu não fosse ao chão. Quando ainda estava sem andar, tinha duas cadeiras de roda a minha disposição: uma para tomar banho e outra para passear. Graças a Deus voltei a andar, fazendo doação das duas cadeiras para dois deficientes físicos, o que me trouxe grande alegria. Parecia que eu os via andando tal como eu, sem o auxilio das cadeiras de rodas. Durante meu tratamento, fui atendido por dois fisioterapeutas, dentre os quais destaco a doutora Graça, baixinha e loirinha, de uma gentileza extraordinária, que muito me ajudou na minha recuperação, sempre com paciência e gestos humanitários, apesar da minha compleição física, que de certa forma atrapalhava o tratamento. A ela agradeço pelo que consegui em termos de recuperação física.Minha fonoaudióloga indicou o nome de um rapaz chamado William, para acompanhar-me nos exercícios físicos. Sofri muito com tais exercícios pois me encontrava há muito tempo sem fazer qualquer movimento com os membros superiores e inferiores. em Alguns momentos, a dor era tão intensa que me dava uma enorme vontade de urinar, mas eu conseguia manter a postura. Parecia até que meus membros estavam enferrujados, tal o sacrifício que eu fazia para movimentá-los , mas consegui suportar todas as dores do tratamento. Assim, posso dizer que foi o William que me fez andar novamente, trazendo-me de volta a alegria de poder fazê-lo com minhas próprias pernas, ainda que com o auxilo de outra pessoa. A ele também meu agradecimento. No meu dia-a-dia enfrentei e ainda enfrento várias barreiras, muitas dela vencidas e outras a vencer, na difícil caminhada que percorro com paz e paciência, sempre contando com a presença de Deus, que me dá força suficiente para não esmorecer. Conceição, a quem apelidei carinhosamente de Com, é a mulher forte, séria, humana e cuidadosa que me fez voltar a falar quase corretamente, pois, em decorrência do acidente, não conseguia articular uma única palavra que fosse entendida pelas pessoas. Hoje, apensar de alguma dificuldade, já consigo me fazer entender através das palavras. Posso afirmar que conheci muitas pessoas, mas poucas têm as qualidade e os atributos de Com.Todos nós sabemos que um tratamento fonoaudiólogo é extremamente caro, e, no meu caso, precisava de várias sessões, pois praticamente não articulava uma única palavra. Mas o espírito humanitário e a bondade de Com permitiram que eu pudesse fazer o tratamento pagando as duas primeiras consultas, a partir do que as demais foram totalmente gratuitas. Instada por Jô a justifica sua atitude, Conceição respondia! que assim fazia porque gostava de todos nós, e tinha muito prazer em ajudar na minha recuperação. vida de um deficiente físico e visual é muito difícil, porque o ser humano, de modo geral, é muito preconceituoso. E eu senti de perto esse preconceito por parte de algumas pessoas. Mas, com a ajuda de Deus, consegui vencê-lo, e a cada instante me sinto perto dEle. Recordo com muita clareza o tempo em que jogava futebol de salão, chegando, inclusive, a ser goleiro da seleção cearense, trocando posteriormente essa posição pela de atacante, pois goleiro só serve para sofrer gol, enquanto o atacante é sempre aplaudido quando o faz. Até  o tratamento de acupuntura fui submetido, desta feita pelo Dr. Amaral, excelente profissional da área além de psicólogo. Era bastante doloroso o tratamento, pois aquelas agulhas, ás vezes conectadas à eletricidade, me deixavam com o corpo tremendo. Ainda assim nunca reclamei, pois quem deseja se recuperar, como eu desejava, se submete a qualquer tratamento, por mais difícil e doloroso que seja. Um agradecimento especial ao SESC, principalmente nas pessoas do presidente e do diretor regional, João Ramalho de Oliveira, e Felipe Franklin de Lima, respectivamente, que sempre estiveram ao meu lado, não faltando apoio moral, material e financeiro de que passei naqueles momentos de sofrimento. Agradeço, também, aos amigos Alísio Pereira Filho e Paulo Sérgio Fiusa da Silva, o ex-companheiros de trabalho no SESC, que acompanharam de perto a minha luta contra a morte, demonstrando alto espírito de solidariedade e companheirismo. Minha família e a família de Jô foram excepcional competência no acompanhamento de todo o meu tratamento, não desanimando um só momento, oferecendo-me todo o apoio de que necessitava. Por isso sou eternamente grato. Posso afirmar que Jesus foi tão bom que me devolveu a vida e me fez retornar ao seio da minha família. Por ironia do destino, levei três esposas de amigos meus para a maternidade, as quais tiveram filhos bonitos e sadios, e, na hora do nascimento da minha filha, já acometido do acidente, não tive a felicidade de levar a Jô e ver o nascimento da minha Fernanda. Na impossibilidade de acompanhar a gestação da Jô, Deus ''tomou'' o meu lugar. Pelo que ela passou durante todo o período, coincidentemente nos momentos mais graves da minha doença, nossa filha tinha tudo para nascer com problemas. Mas Deus, tal como fizeram como os filhos dos meus amigos, deu à Fernanda toda a saúde e beleza que ela ainda tem até hoje. Gravei a batida do coração da minha filha Fernanda aos 3 meses de gestação de sua mãe. Era de um som suave e belo, e somente eu tive o privilégio de senti-la. No quarto mês aconteceu o acidente, cuja recuperação foi bastante demorada e dolorosa. Fernanda nasceu, e eu não tive a felicidade de vê-la, mas sentia-a de perto era como se a visse com toda a sua beleza. Hoje, já em parte recuperado e lúcido, tenho a Fernanda ao meu lado. Ela me ama como eu sou e isso me faz agradecer a Deus, por haver retornado a esse mundo maravilhoso e belo. Deus me deu a oportunidade de voltar a conviver com a minha esposa Jô, e a minha filha Fernanda, o restante da família e amigos, mesmo em condições adversas, pois o acidente que sofri foi de natureza grave em que poucos sobrevivem. e sobrevivi e dou-lhe graças, muitas graças. 
Fernando Antonio Freire de Holanda.

Um comentário:

  1. Fernando Freire, meu amigo. Você é um guerreiro. Mais que isso...um vencedor! Nem a tempestade pela qual você passou te tirou a forca de viver. Sua maior conquista, alem do amor de sua família, foi a sua vontade de viver, custasse o que custasse. Sua insistência e perseverança, aliadas com a ajuda de Deus em resistir a toda luta e dor, te tornaram um ser capaz e muito especial, superando as dificuldades adversas. Essa fortaleza é sua...essa vitória é sua. Claro que você teve o auxílio de muitos profissionais competentes e a dedicação exclusiva de sua esposa Jô. Hoje, somos gratos por sua convivência entre nós, apesar de algumas dificuldades que você, vez ou outra supera....e vamos em frente, pois sua mente é iluminada e seu coração ruge como um Leão. Saudações tricolores! Um forte abraço e um cheiro.

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